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Yuri & Shouji-Ai

agosto 25, 2008

Os Anos 70/3 – Um pouco de terror

Um dos melhores mangás yuri dos anos 70, na minha opinião, é Maya no Souretsu (O Funeral de Maya – 1972) de Yukari Ichijou. Trata-se de uma história de terror gótica com muitos assassinatos e vingança, com um roteiro, um pouco ingênuo, verdade, que parece feito sob medida para virar filme.
Maya no Souretsu também é um one shot, assim como Shiroi Heya no Futari e conta a história de Reina que durante as férias de sua família no campo conhece a misteriosa Maya e se apaixona por ela. Reina tem um casamento arranjado pela família com um bom moço bonitinho, mas é por Maya que seu coração começa a bater de verdade. Enquanto o tempo passa, várias pessoas da família de Reina e próximas a ela são assassinadas de forma brutal. Maya parece saber demais sobre a família de Reina, coisas que a menina nem sonha e que justificam toda a violência que explode ao seu redor. Na verdade, tudo tem a ver com uma terrível vingança e Maya está no centro dela. Terminamos de novo em tragédia…
Yukari Ichijou é uma das mangakás mais reconhecidas de sua geração e a favorita de Naoko Takeuchi, autora de Sailor Moon, Maya no Souretsu foi somente o seu primeiro mangá yuri, mas a autora tem uma produção das mais variadas e desconhecidas no Ocidente. Ano passado, ela esteve em evidência graças aos doramas, mas animê em cima de suas séries, nenhum.

Depois dos Anos 70: Menos tragédia e um pouco mais de felicidade

Ainda que a tragédia continuasse a rondar os casais yuri, a coisa começou a se tornar mais solar nos últimos 30 anos. Temos muitas histórias mal resolvidas, mas o fato é que as histórias com conteúdo shoujo-ai ou yuri não precisam mais ter um final infeliz ou serem marcadas pela tragédia.
Acredito que a grande virada se deu com Paros no Ken (1987), que pode ser visto como uma releitura da Rosa de Versalhes. Paros no Ken é baseada no primeiro de uma série de romances escritos por Kaoru Kurimoto, especializada em histórias de fantasia e terror. Já a quadrinização ficou por conta de Yumiko Igarashi, desenhista conhecida mundialmente por Candy Candy.
A história se passa no Reino de Paros, em uma suposta Grécia medieval (existe efetivamente uma ilha de Paros por lá). A herdeira, Hermínia, prefere se vestir com roupas masculinas e é o melhor espadachim do Reino. Ela tem um fiel companheiro, Yurius, que é profundamente apaixonado por ela e a segue como uma sombra. Pressionada para se casar, tendo se reino ameaçado por inimigos, ela se apaixona por Fiona, uma jovem camponesa órfã. Aqui não somos enganados, Fiona sabe que Hermínia é uma mulher desde o início, as duas se amam, as duas lutam contra tudo e contra todos para ficarem juntas, Yurius se sacrifica pela princesa, mas não tem jeito… É uma obra realmente corajosa e dessa vez não temos uma heroína se lamentando, ela vai em busca do que quer. A história termina em aberto, nós é que decidimos o final.

A partir daí as obras yuri ou com algum conteúdo yuri se multiplicam e não tem limites de faixa etária. Afinal, qual o casal de lésbicas mais conhecido dos mangás e animês? Michiru/Netuno e Haruka/Urano de Sailor Moon (1992), mangá publicado na revista Nakayoshi que é para meninas de 9 a 13 anos. Aliás, o casal yaoi foi invenção do animê que é de novo uma releitura masculina do original.
Outro mangá yuri que saiu em uma revista para a mesma faixa etária, a Ribon, é Himitsu no Hanazono (O Jardim Secreto – 1999) de Fuji Mihona, a autora do bem mais famoso Super Gals! Kotobuki Ran. Trata-se de um one shot o qual Misono, uma menina que sofre uma imensa pressão da mãe para se tornar uma grande atleta, conhece o rapaz ideal e se apaixona… Só que ele é ela. A menina, no entanto, não se importa e, claro, não posso comentar muito mais sem dar imensos spoilers. Um bom mangá, muito sensível, mas que no início recorre ao mal entendido para se sustentar.
Poderíamos engrossar a lista comentando Card Captor Sakura (1996) e o akogare de Tomoyo pela protagonista. É outro mangá que saiu na Nakayoshi. Aliás, muita gente só lembra da CLAMP para falar de sugestões yaoi, mas as meninas são igualmente generosas quando o assunto é yuri/shoujo-ai. Querem um exemplo? Em X (1992), Tooru e Saya eram amantes e uma se sacrifica pela outra. Ambas são casadas, ambas têm filhos, mas o amor verdadeiro é compartinhado entre elas. É uma radicalização da paixão da mãe de Tomoyo pela de Sakura, afinal, Card Captor Sakura precisava ser light, coisa que X está longe de ser.

Outras autoras que fazem yuri mangá de verdade em revistas mainstream são Reiko Momochi de Confidential Confessions (vol. 4 tem uma história yuri, aliás), Érika Sakarazawa e Nanae Haruno (Pieta e Double House). Outras como a CLAMP, Chiho Saito (Shoujo Kakumei Utena) e Naoko Takeuchi fazem visitas. E o grande hit é com certeza Maria-sama ga Miteru com seus livros, mangá na Margaret e animê com três temporadas.
De forma explícita, ou não, apresentado como uma amizade ou envolvendo sexo, visto como ritos de passagem, tendo final feliz ou trágico, os relacionamentos entre mulheres estão sempre presentes dentro do shoujo mangá. Agora, quando o assunto é animê shoujo a coisa vem sempre um pouco velada ou não vem, já que boa parte dos mangás com essa temática não são animados. Claro que não existe regra nesse sentido e os anos 90 tiveram como mostra o Shoujo Kakumei Utena, principalmente o movie, e Sailor Moon.

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Yuri & Shoujo-Ai

agosto 18, 2008

A criadora?

A grande pioneira na representação dos relacionamentos entre mulheres no Japão, muito antes do boom do mangá, foi Yoshiya Nobuko (1896 – 1973), autora das chamadas “Hana Monogatari” (Lendas das Flores). Ela escrevia romances que apareciam em publicações femininas e que geralmente mostravam adolescentes estudando em colégios internos femininos. Esses colégios ocidentalizados lembravam muito as escolas como as de Maria-sama ga Miteru, por isso mesmo, há quem defenda que Yoshiya Nobuko ajudou a construir a estética do shoujo mangá.
Os relacionamentos afetivos (afetivo aqui não significa obrigatoriamente sexual), as amizades e o processo de amadurecimento das meninas e como se tornavam (eram construídas como) mulheres estavam em discussão. Infelizmente, não há publicações das histórias de Yoshiya Nobuko em nossa língua e creio que nem mesmo em inglês. A autora ficou marcada depois da guerra por defender que os japoneses deveriam resistir à ocupação americana, assim foi posta em ostracismo e muita gente sequer sabe que ela existe.

Os Anos 70/1 – Um Início Tímido

Os relacionamentos amorosos entre meninas, nos shoujo mangá estão presentes desde pelo menos os anos 70. O pioneiro nesta área foi o mangá Shiroi Heya no Futari (1971) de Ryohko Yamagishi, uma das grandes mangakás de sua geração e admirada até hoje. Como li esta obra, um one shot, devo ser franca, vale como marco histórico, vale pela coragem, mas de resto é um empreendimento bem pueril. Em Shiroi Heya no Futari o traço de Yamagishi é de iniciante, duro até. Já a trama é esquemática e carece de profundidade. Temos personagens estereotipadas – uma loura e inocente, a outra morena e rebelde – fora um óbvio desfecho trágico, aliás, esta é a marca do período. Em linhas gerais acontece o seguinte, a história se passa na Europa, como tantas outras de sua época, a protagonista é uma menina órfã, Resine, que decide estudar em um colégio interno. Lá, ela dividirá o quarto com Simone, uma tomboy agressiva e rebelde. As duas se apaixonam, mas a inocente Resine decide que precisa romper a amizade com Simone quando ouve cochichos sobre a “Ilha de Lesbos” associados a seu nome e o da amiga. Resine chega à conclusão que precisava se apaixonar por um rapaz, empurrando Simone para uma escalada autodestrutiva…

Os Anos 70/2 – Ryoko Ikeda dá o tom

Mesmo que timidamente, autoras como Ryoko Ikeda ajudaram a construir esse universo. A Rosa de Versalhes (1972) que é cronologicamente posterior a Shiroi no Heya no Futari, foi de certa forma fundamental para isso. Esqueçam o animê, ao qual muita gente teve acesso, e pensem que estou falando do mangá, não da releitura masculina feita por Osamu Dezaki. Fora que no mangá há humor, enquanto o animê é denso.
Um dos momentos de “humor” é exatamente uma seqüência yuri. O pai de Oscar quer que ela se case e organiza um baile para que ela seja exibida. A moça vai vestida com suas roupas masculinas, dança com todas as moças, algumas carregando placas dizendo “Oscar-sama é nossa!”, flerta com elas. Já no animê, Oscar chega de mau humor, diz que não quer casar e vai embora. Adeus, momento yuri!
Em a Rosa de Versalhes, a heroína, criada como um rapaz, mas consciente de ser uma mulher, é absolutamente heterossexual, mas sua proximidade com outras moças era muito grande e o amor que elas lhe devotavam mais que evidente; por exemplo, as irmãs Charlotte e Rosalie vêem em Oscar o “príncipe encantado” ideal. Ryoko Ikeda não vai além, mas em uma cena tocante – exclusiva do mangá com quase 99% de certeza – Oscar lamenta não ser um homem para poder amar Rosalie que a ama com tanta devoção. Hetero, sim, mas não indiferente e com muito mais consistência do que o pueril Shiroi no Heya Futari.
Se em seu grande clássico Ikeda não desenvolveu a questão, cortando qualquer possibilidade de relacionamento homossexual, o mesmo não acontecerá em suas obras seguintes. Em Iniisama E (1974) a autora questiona novamente os papéis de gênero e retrata com muita ternura o romance entre duas adolescentes em uma escola feminina de elite. É neste novo ambiente que o amor de Nanaka por Rei ou Saint Just, como a moça é chamada, floresce, no entanto, o clima geral é pesado. Há angústia, perfídia, adultério, incesto, uso de drogas e, claro, tragédias. Sim, desse jeito mesmo, bem no plural! O mangá é comovente e o animê, feito quase 20 anos depois, uma obra de arte. Só que assim como em a Rosa de Versalhes, Osamu Dezaki (ele outra vez), faz uma releitura de Ikeda. Como o animê é mais acessível, aviso à vocês que no mangá câncer não é curado com maternidade e homossexualidade feminina com namorado. Não é culpa de Ikeda!
Ikeda também escreveu uma das primeiras histórias adultas sobre a questão. No seu mangá intitulado Claudine (1978), a autora mostra o drama de uma pessoa que se sente “um homem preso no corpo de uma mulher”. Hoje, Claudine seria considerada como transexual muito mais do que lésbica. A história é muito delicada, mas carregada de tons cinzentos. O pai de Claudine, grande responsável pela criação masculina que a moça recebeu, mantém casos com “meninos e meninas” e acaba atraindo a tragédia para a família. Já Claudine luta para ter uma identidade masculina e conseguir ser amada… Só que todos os seus romances são frustrados enquanto ela rejeita o afeto que sua melhor amiga está disposta a oferecer. Não preciso nem dizer que a coisa termina mal?

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Yuri & Shoujo-Ai

agosto 8, 2008

Yuri é tão comum quanto yaoi? Sim, talvez até mais!

No Japão “as meninas que amam meninas” são muito freqüentes tanto nos animes quanto nos mangás. Como a questão não está restrita ao shoujo, poderíamos dizer que seja mais comum até do que as situações yaoi. E ocorrem em materiais para um público muito jovem chegando até mangas mais maduros. Estamos incluindo aqui desde as sugestões inocentes que deixam muito para a imaginação dos fãs, como o caso da série Noir ou em material CLAMP do tipo Sakura Card Captors, quanto em casos nos quais as personagens realmente se expõem, como no caso da Sei (Rosa Gigantea) de Maria-sama da Miteru. Em contrapartida, quando é o erotismo voyeur que está em jogo, a questão é amplamente contemplada nas matérias para rapazes em animes e mangás mainstream, como Love Hina, El Hazard e outros.

Termos, terminologia, origem…

Qual é o melhor lugar para colher informações sobre o que é Yuri e Shoujo-Ai? Para mim, com certeza é o site do Yuricon. As garotas – sim, elas são a maioria – que mantêm o site oferecem artigos, discussões, uma lista (quase) completa e atualizada de tudo do gênero que saiu nas revistas shoujo e josei, tem uma lista de discussão, montaram uma editora e organizaram uma convenção nos EUA. Pouco, né? Pois a definição que elas dão para Yuri é a seguinte:
“Yuri pode ser usado para descrever qualquer série de anime e mangá (ou outras coisas como fanfiction, filmes etc.) que mostram uma ligação emocional intensa, amor romântico ou desejo físico entre mulheres. Yuri não é um estilo limitado pelo gênero [masculino ou feminino] ou idade dos consumidores, mas pela ‘percepção’ do público. Nós podemos, se quisermos, fazer distinção entre shonen Yuri – escritos por homens para uma audiência primária masculina; shoujo Yuri – escritos por mulheres para um público primeiramente feminino; e o que nós do Yuricon gostamos de pensar como yuri puro – escrito por lésbicas para uma audiência de lésbicas… mas todos são yuri, independente de qualquer coisa. Resumindo, yuri é qualquer história com mulheres que amam (ou desejam) outras mulheres.”
Não preciso dizer que boa parte das meninas do Yuricon tem um engajamento político e de identidade ao se dedicar a informar sobre material yuri. Deixando isso de lado e ressaltando que não conheço nenhum yuri ‘puro’ (*e não vou me meter a descobrir qual a orientação sexual das outoras, OK*), a definição é valida e pertinente. Há muitos shonen yuri, muitos shoujo yuri, ou seja, é yuri para todos os gostos possíveis. Desde tramas inocentes, até grandes tragédias; histórias com meninas bonitinhas, mas sem grande apelo sexual, até material yuri feito com personagens peitudas, no estilo “lésbicas de filme pornô”. Você escolhe, ou deixa de lado.
Mas existem dois termos que circulam muito da net: yuri e shoujo-ai. Ambos se referem aos romances entre mulheres. Algumas pessoas no Ocidente, seguindo a mesma linha do que é feito com Yaoi, tendem a associar “yuri” a histórias que tenham no sexo seu foco principal e “shoujo-ai” (shoujo/menina/moça e ai/amor) ao romance ao sentimento. Mesmo assim, a definição do pessoal do Yuricon, contempla tudo.
Além disso, existe uma outra questão que deve ser tratada, o chamado akogare (adoração). Não raro, temos situações em que uma personagem se distinhgue por alguma coisa e desperta adoração em outra. Isso é comum em material rotulado de shoujo-ai, como Utena, Maria-sama ou mesmo Card Captor Sakura, mas também está presente em séries como Anatólia Story. A veneração, admiração e mesmo submissão aos superiores é traço da cultura japonesa e no caso do material shoujo a linha que separa adoração e amor ou paixão é bem tênue. O akogare se faz muito presente na relação senpai/kouhai, isto é, entre o mais antigo ou veterano em uma organização ou escola e o menos graduado ou mais jovem.
Valeria, então, chamar material hentai de yuri por conter situações de sexo entre mulheres? Algumas até com muita violência implícita ou explícita. Acredito que não. Simplesmente porque qualquer cena de sexo entre mulheres, que pode terminar com um homem no meio, tem como objetivo a satisfação do consumidor masculino heterossexual. É “lesbianismo fake” e está no mesmo nível dos filmes pornográficos ocidentais. Como sempre, deixo claro que é minha posição, cabe ao leitor ou leitora tomar a sua.

Origem do termo…

“Yuri” em japonês quer dizer lírio e passou a estar associado na cultura dos animês e mangás ao lesbianismo ou amor entre as mulheres. Tendo visto muitos shoujo com situações yuri, não concordo que esse tipo de flor esteja sempre presente quando existe romance, ou sugestão de romance, entre mulheres. Tenho mangás onde o lírio nem é representado, aparecem outras flores. De qualquer forma, o termo yuri está associado ao mundo das lesbianas, reais ou imaginárias, faz muito tempo, e ficou consagrado quando um redator de uma revista gay dos anos 70 denominou as lesbianas japonesas de “yurizoku” (tribo do lírio), enquanto os homens gays pertenceriam à “barazoku” (tribo da rosa).
De qualquer forma, o termo só serve para dar nome a uma prática social bem compreensível. Afinal, refere-se em uma sociedade como a japonesa, onde durante muito tempo os papéis masculino e feminino foram rigidamente estabelecidos. Dessa forma, em um mundo no qual o universo de homens e mulheres pouco se tocava, surgiu uma cultura tipicamente feminina, onde as amizades entre as mulheres poderiam ser intensas e extremadas. E que ninguém pense que estou falando só de sexo aqui, mas de coisas muito mais profundas e intensas. Foi esta mesma cultura que possibilitou a criação de todo um mercado de quadrinhos dominados por mulheres e voltados para um público de meninas, moças e mulheres.