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Por uma tipologia dos Mangás

agosto 31, 2009

Olá novamente, pessoal!

Volto mais uma vez de mais um Congresso Internacional de Estudos Japoneses no Brasil, desta vez, realizado em São Paulo, nesta quinta e sexta passadas (27 e 28/08). (XX ENPULLCJ (Encontro Nacional de Professores Universitários de Língua, Literatura e Cultura Japonesa) e do VII CIEJB (Congresso Internacional de Estudos Japoneses no Brasil) com o tema “Para além do Japão: Brasil, Canadá e França”.)

Tivemos a participação de algumas ilustres personalidades do estudo japonês na França, e muitas outras palestras interessantíssimas sobre a cultura e língua japonesa.

Sem mais delongas, aqui está o texto completo da palestra que apresentei com minha amiga Patrícia M. Borges.

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POR UMA TIPOLOGIA DOS MANGÁS: investigação dos gêneros e temáticas das histórias

Este projeto insere-se numa temática atual, que é a popularização da estética dos quadrinhos japoneses (mangás) nas várias culturas do mundo. No interior do tema, delimitamos como objeto de pesquisa: Por uma tipologia dos mangás: investigação dos gêneros e temáticas das histórias, a partir da investigação de histórias de mangás e animês do gênero lesbianismo.

Partimos do entendimento de que hoje em dia lidera um equívoco entre muitos fãs e demais apreciadores dos mangás com relação ao gênero de mangás yuri. A questão que entendo ser de fundamental relevância refere-se ao fato de muitas pessoas admitirem o gênero yuri como aquele que tem o sexo como foco principal, e o gênero shoujo-ai, como aquele voltado para definir o romance entre mulheres. O fato é que estes fãs acabam associando as produções de yuri com as de hentai, entendendo que qualquer material que apresente relações lesbianas entre mulheres possa ser chamado de yuri, seja em função da grande quantidade de material disponível aqui no Brasil ou mesmo pela simples falta de conhecimento real do gênero yuri, em função da escassez de material exportado aqui para o Brasil. Como conseqüência de tudo isso, muitas personagens de shoujo mangá são reapropriadas para o universo do gênero hentai pelos fãs que produzem as histórias desse gênero, como também, acabam por limitar ainda mais a quantidade de material yuri vinda para o Brasil em função da grande quantidade de violência e situações humilhantes apresentadas por essas histórias.

Sob meu ponto de vista são muitos os fatores que determinam todo esse mal-entendido, sendo que um deles refere-se ao preconceito existente em nossa sociedade com relação a homossexualidade feminina, entendida como ameaça ou risco para o universo masculino na medida em que são excluídos ou que não ocupam papel ou função privilegiada, até mesmo, não desempenhando nenhuma função útil dentro do universo lesbiano feminino.

Gêneros dos mangás

A pesquisa utilizou-se dos mesmos critérios utilizados no Japão para a classificação dos mangás e suas respectivas denominações determinadas de acordo com os diversos temas abordados pelas histórias, pela divisão de faixa etária e sexo. Algumas dessas classificações em gêneros, entre outras considerações foram descritas pela pesquisadora Sonia Luyten em sua obra Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses. Como a própria autora analisou (2000: 48-62): “Tanto os animês como os mangás são criados para um público de todas as idades e, também, para atender a todos os gostos, desde crianças, jovens, até adultos”.

As revistas para os adolescentes, shounen mangá, enfocam temas relacionados ao sexo, brigas, esportes e aos problemas sociais, além de resgatar as características ideais de conduta e disciplina dos japoneses como perseverança, treinamento e coragem.

As revistas destinadas a um público feminino são denominadas shoujo mangá. É comum retratarem temas ligados aos sentimentos amorosos, às angústias e aos sofrimentos das adolescentes num clima totalmente romântico. A maioria das histórias possui como “pano de fundo” ambientes do cotidiano, como também retratam aqueles idealizados pelas mulheres: o típico ambiente romântico dos contos de fadas, com jardins imensos e muitas flores.


Já os termos definidos abaixo, Yuri e Shoujo-ai (referem-se ao romance entre mulheres) são considerados subgêneros do shoujo mangá:

Yuri (termo originário da palavra “yurizoku”, que significa “tribo do lírio”) é o nome dado aos mangás que abordam relacionamentos homossexuais femininos, e ao contrário do que se pensa, o gênero Yuri não apresenta cenas de sexo explícito, mas apenas, sugere através das imagens uma relação mais “ardente” entre o casal. Quando o Yuri perde o roteiro e vira apenas o sexo é chamado de hentai (pornô). Geralmente esse tipo de produção é voltada para o público masculino que tem fetiches por duas mulheres juntas. Exemplo de mangás yuri: “Strawberry Panic” e “Kannazuki no Miko”.

“Yuri pode ser usado para descrever qualquer série de anime e mangá (ou outras coisas como fanfiction, filmes etc.) que mostram uma ligação emocional intensa, amor romântico ou desejo físico entre mulheres. Yuri não é um estilo limitado pelo gênero [masculino ou feminino] ou idade dos consumidores, mas pela ‘percepção’ do público. Nós podemos, se quisermos, fazer distinção entre shonen Yuri – escritos por homens para uma audiência primária masculina; shoujo Yuri – escritos por mulheres para um público primeiramente feminino; e o que nós do Yuricon gostamos de pensar como yuri puro – escrito por lésbicas para uma audiência de lésbicas… mas todos são yuri, independente de qualquer coisa. Resumindo, yuri é qualquer história com mulheres que amam (ou desejam) outras mulheres”. Ver em: YURICON http://yuricon.com (Neo Tokyo, n.0014).


-Shoujo-ai são mangás com conotação homossexual entre mulheres sem sexo explícito, diferenciando-se do gênero yuri, pelo fato de contemplar relações mais discretas, com pouco contato físico (muitas vezes não chega a ocorrer nem sequer um beijo entre o casal). Podendo ser apenas uma sugestão de homossexualidade ou uma relação com cenas e idéias Ecchis. Normalmente o objetivo desses mangás é mostrar o amor e a fragilidade do casal. Ex: “Maria sama ga Miteru” e “Simoun” (revista Yuri Hime).

Ainda, existem dois termos que circulam muito pela internet e que se referem ao romance entre mulheres: yuri e shoujo-ai. Algumas pessoas no Ocidente, seguindo a mesma linha do que é feito com yaoi, ainda tendem a associar yuri a histórias que tenham no sexo seu foco principal e shoujo-ai (shoujo = menina/moça; e ai = amor) ao romance e ao sentimento.

Outra questão que deve ser ressaltada diz respeito ao termo akogare, que significa adoração. Há muitas situações nos mangás com situações em que uma personagem se distingue, destacando-se e despertando adoração em outra personagem. Fato comum nas histórias de shoujo-ai, como; “Utena, Maria-sama”, “Card Captor Sakura”, mas também está presente em séries como “Anatólia Story”. A veneração, admiração e mesmo submissão aos superiores é traço da cultura japonesa, e no caso do material shoujo, a linha que separa a adoração e o amor ou paixão é bem tênue. O akogare está presente na relação “senpai/kouhai”, isto é, entre o mais antigo ou veterano em uma organização ou escola e o menos graduado ou mais jovem.

Para aprofundamento dos variados gêneros houve a necessidade de recorrer a outras referências bibliográficas já que a quantidade de temas abordados pelas histórias dos mangás corresponde a um universo quase ilimitado de publicações. Assim que encontramos as categorias abaixo, utilizadas para nomear os gêneros que tratam de histórias com relações homossexuais.


Para a definição do gênero hentai em Kouhaku  (http://www.kouhaku.com.br/kouhaku/ko.php Acessado em: 07/05/2009) encontramos:

Hentai, em japonês pode ter vários significados, entre eles, anormal e pervertido sexual. Isto porque no Japão, o sexo é um tabu fortíssimo e qualquer relação feita a questões sexuais é vista com extremo preconceito. Sendo assim, o gênero hentai é dividido em duas categorias: a categoria hentai como anormalidade, e a categoria hentai como normalidade. O termo também é utilizado para classificar os mangás sob dois aspectos: o primeiro, comporta qualquer conteúdo fora da “normalidade”; o segundo, usualmente conhecido como “pornô” ou “H-manga”,  comporta situações de masturbação ou realização de fantasias não muito usuais. Também na categoria hentai (como anormalidade) se encaixam vários gêneros relacionados à opção heterossexual ou homossexual, sendo ou não explicitas e sexuais. Abaixo constam alguns exemplos:

-Ecchi é o nome dado aos mangás com conotação sexual sem sexo explícito. Alguns Ecchis só apresentam sugestões sexuais. Ecchi é a pronúncia japonesa para H de Hentai, ou seja, um hentai leve.

Boys Love (BL) designação para mangás com relação homossexual entre homens, geralmente com grande quantidade de cenas de sexo. Atualmente no Japão, todo mangá com relação homossexual masculina é denominado de “Boys Love”. Quando se diz, “Boys Love” nos países ocidentais, significa associar os mangás com homossexualismo entre homens que apresentam cenas de sexo explícitas, mas que ainda preservam todo o romantismo, o enredo e a história. Tendo normalmente o amor presente.

-Shounen-ai é um gênero muito usado fora do Japão para mangás com conotação homossexual entre homens sem sexo explícito. Podendo apenas passar uma pequena impressão de homossexualismo ou ser Ecchi. Shonen-ai traduzindo para o inglês seria “boys love”. BL fora do Japão é muito chamado de Yaoi, porém yaoi é o termo para um mangá feito por hobby e vendido sem fins lucrativos usando personagens de outras histórias que lhe pertencem ou não, as famosas doujinshis (são doujinshis com conotação sexual e, às vezes, contendo conteúdo sexual forte. Muito conhecido pela relação homossexual masculina e por isso confundido com Boys Love). Enfim, o termo yaoi é para histórias não-oficiais e geralmente se trata de hentai (pornô). BL pode ser classificado como hentai, Boys Love Hentai, quando o conteúdo se resume ao sexo por ele mesmo.

De acordo com os exemplos de gêneros de mangás acima, pode-se perceber que há uma divisão entre as histórias que mostram ou não cenas de sexo explícitas tratando-se de relações homossexuais tanto entre homens como também entre mulheres, mas também, que todo gênero chamado de hentai serve exclusivamente para caracterizar as histórias que apresentam cenas de sexo explícito.

Diante desse universo de classificação e ou divisão dos mangás em gêneros é que nos ocorreu identificar quais seriam as origens ou bases determinantes desse sistema classificatório, e, portanto,   quais os critérios de classificação utilizados pelos japoneses para se determinar cada gênero de história.

Com base nesta compreensão, foi feita uma revisão bibliográfica na área da psicanálise, da biologia e da botânica, permitindo-nos destacar as seguintes referências: Freud (1972; 1974; 1976), Foucault (1970), Alan Bewell, Lineu (1735), Erasmus Darwin (1799), entre outros.

Estas leituras iniciais qualificam o problema de pesquisa, gerando uma série de questões que não ousamos responder na sua globalidade, mas que devem ser retratadas por sua importância para a formulação do problema do qual partimos. São elas:

-O quê propriamente é considerado como aspecto fundamental para se determinar e classificar as diferenças sexuais?

-Quais a relação existente entre gênero e sexualidade?

-Há relação entre as diferenças sexuais e o sistema simbólico próprio de cada cultura?


Em (GUACIRA, 2005) encontramos subsídios teóricos para o entendimento de gênero como um padrão de classificação determinado de acordo com as necessidades culturais de se acentuar as diferenças percebidas entre os sexos. E que os traços da feminilidade ou masculinidade são acentuados e variam de cultura para cultura, ou seja, o conceito de feminilidade ou masculinidade é sempre uma construção cultural em contínuo estado de transformação. Sendo assim, a questão agora seria compreender quais seriam as instituições detentoras do poder nas sociedades antigas que levaram a definir as classificações dos sujeitos e também as regras das práticas sociais. Assim que encontramos os representantes da Igreja e do Estado, médicos, pensadores e moralistas, entendidos como autoridades eleitas por definir e  ditar juízos de valores a expor suas opiniões com base nos seus ideais de mundo.

Vimos que foi a partir do século XIX que a compreensão da homossexualidade nas sociedades ocidentais era definida por uma prática sexual anormal que se dava entre parceiros de um mesmo sexo. Considerada sodomia e pecado, a homossexualidade também foi uma questão que ao longo dos anos viveu em constantes transformações e que nos levou a formular determinados juízos de valores pelos quais nos deparamos hoje em dia.

Movimentos articulados às questões sexuais a partir do século XX (a exemplo, tivemos em 1966, o movimento feminista, atualmente temos a “Parada Gay”, na Avenida Paulista, em São Paulo) também tiveram um impacto profundo nas sociedades e foram responsáveis por inúmeras transformações acerca do espaço social e cultural conquistado pelos proclamadores da homossexualidade.


Outra forma de expressão cultural e artística em que vemos essas questões da homossexualidade alcançarem visibilidade social e conquistarem espaço na sociedade se deu através da repercussão dos mangás de gêneros lesbianos promovida pelos mangakás e pelos autores japoneses. Este é o caso de Ryohko Yamagishi, autora de “Shiroi no Heya no Futari – 1971”; Ryoko Ikeda, autora da “Rosa de Versalhes – 1972” e “Iniisama E – 1974”, onde a autora questiona os papéis de gênero, retrata com muita ternura o romance entre parceiras do mesmo sexo. Em “Iniisama E”, tem-se um relacionamento entre duas adolescentes, Nanaka & Rei, em uma escola feminina de elite. Como não é raro de se estranhar, a questão é retratada em um ambiente de muita angústia, adultério, incesto, uso de drogas e, é, claro, tragédias. que é cronologicamente posterior a ajudaram a construir esse universo.


Por último, a questão que nos levou a definir nosso problema de pesquisa: qual seria o caminho adequado para se discutir a problemática do mal-entendido em torno dos gêneros de mangás lesbianos e o enfoque mais pertinente que nos ajudará a entender o homossexualismo como uma determinação inconsciente, inata e natural?

Sobre a definição dos conceitos de homossexualidade e heterossexualidade criados na Hungria e na Alemanha, no século XX, Michel Foucault escreveu que “A homossexualidade apareceu como uma das imagens da sexualidade ao ser reduzida da prática da sodomia a uma espécie de androginia interna, a um hermafroditismo da alma. O sodomita era um pecador relapso, enquanto o homossexual é hoje uma espécie” (ROUDINESCO; PLON: 351). Em favor dessa teoria que entendia a homossexualidade como uma espécie inata ou natural, diversos estudiosos opuseram-se, sustentando a homossexualidade como uma inversão sexual, fruto de uma anomalia hereditária, psíquica, mental ou de natureza constitucional, um distúrbio de identidade ou da personalidade. Somente na década de 1970, com os historiadores Michel Foucault e John Boswell e pelos grandes movimentos favoráveis a liberdade sexual é que a homossexualidade deixou de ser vista como uma doença mental para ser encarada como uma prática sexual distinta, que segundo Freud remetia a uma escolha do inconsciente, ligada à castração e a renegação (p.352).

Em 1915, Freud ainda escreveu Três Ensaios onde expressou sua hostilidade a qualquer forma de diferencialismo e discriminação acerca da homossexualidade, firmando que a investigação psicanalítica, “opõe-se com extrema determinação à tentativa de separar os homossexuais dos outros seres humanos como um grupo particularizado.”

A questão da distinção dos gêneros e da diferença dos sexos nos levou então, a compreender sob o ponto de vista da botânica, as atribuições e referências admitidas para a questão da homossexualidade, com base no estudo das características sexuais das plantas.

Assim que em 1799, encontramos a obra de Erasmus Darwin, avô de Charles Darwin, publicada em francês, com o nome de The Loves of the Plants, na forma de um poema erótico-botânico que se tornou uma das principais obras de divulgação popular do sistema de Lineu através de analogias da vida sexual das plantas com a dos humanos. Entre outras considerações, Lineu descreveu que “o número dos estames era considerado como o número dos machos; estames inférteis eram chamados de eunucos; os pistilos femininos podiam ser ‘adúlteros’, ‘poliândricos’, e assim por diante, o que fornecia um amplo material metafórico para as mais fantasiosas situações sexuais”. Lineu ainda dizia e entendia as flores hermafroditas ‘pistilo e estame na mesma flor’, como “esposos que dormem na mesma cama”; e as plantas que possuem flores masculinas e flores femininas, como “esposos que dormem em camas separadas”.

Entre as plantas em que os esposos dormem separados, Lineu incluiu três classes: a monoecia, entendida como “flores masculinas e femininas na mesma planta”; a dioecia, como “flores masculinas e femininas em diferentes plantas”; e a polygamia, como “flores hermafroditas juntamente com flores masculinas e femininas na mesma espécie”.

Evidenciando desta forma, que a botânica, na visão de Alan Bewell, influenciou a emergência de uma “política sexual” na época iluminista, no final dos setecentos. Pela primeira vez, em comparação com as plantas, a vida sexual humana adquiria a feição de uma instituição social. A botânica permitia que se falasse sobre um assunto até então relegado para fora da vida pública: o sexo.


A contribuição desse sistema de classificação das plantas para este estudo foi evidenciar que as características homossexuais dos seres orgânicos já demonstravam seu caráter natural e hereditário, e longe de ser considerada como uma doença mental ou mesmo psíquica, a homossexualidade podia ser entendida desde o final do século XVIII como uma determinada característica sexual distinta, portanto, distante de ser considerada uma questão preconceituosa.

BIBLIOGRAFIA

LOURO, Guacira Lopes. Gênero e sexualidade – as múltiplas “verdades” da contemporaneidade. UFRGS, 2005.

Yuri & Shoujo-Ai. Neo Tokyo,  n.0014

ROUDINESCO, Elisabeth. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

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Desmistificando o estilo Yuri & Shoujo-Ai: Mangás e Animês

agosto 14, 2009

Olá pessoal!

Resolvi postar aqui também o conteúdo das minhas palestras sobre (em defesa) do gênero Yuri, bem como o homossexualismo feminino.

Este texto abaixo foi de uma palestra que apresentei no ano passado, no Rio de Janeiro, no XIX Congresso Internacional de Estudos Japoneses no Brasil.

Este ano, apresentarei uma palestra sobre a analogia entre os gêneros homossexuais nos mangás, com os gêneros hetero, homo e hibridos na botânica. O local escolhido para este ano foi a USP de São Paulo, e a palestra será no dia 27 as 16h25.

Mais informações: http://www.fflch.usp.br/dlo/encontro.htm

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Desmistificando o estilo Yuri & Shoujo-Ai: Mangás e Animês

1. Aspectos metodológicos da pesquisa

Esta pesquisa insere-se numa temática atual, que é a popularização da cultura pop nas várias culturas do mundo, especialmente através dos mangás (quadrinhos japoneses) vistos em grande quantidade nas bancas de jornal como também através dos animês (desenhos animados japoneses) veiculados pela televisão.

No interior do tema, delimitou-se como objeto de pesquisa os mangás e os animês do gênero yuri e shoujo-ai, que correspondem às histórias voltadas para o relacionamento amoroso entre mulheres.

O presente estudo partiu da necessidade objetiva como designer e pesquisador da cultura japonesa, de investigar os mangás e os animês do gênero yuri e shoujo-ai, objeto de estudo ao qual venho dedicando desde o ano de 2006, após a conclusão do trabalho de graduação interdisciplinar.

Do ponto de vista subjetivo, fui levado pela admiração que desenvolvi em relação às histórias desse gênero por tratarem de relacionamentos entre mulheres de forma romântica e sensível, característica integrante do universo feminino.

Outro fator determinante do tema justifica-se pela vivência profissional enquanto designer e professor de desenho no estilo mangá. Nesta trajetória, tenho observado uma variedade enorme de estilos gráficos presentes nos diversos gêneros de histórias, que vão desde traços mais finos e angulares até traços mais arredondados e orgânicos.

Foi justamente através do contato com essa variedade de formas e estilos que meu envolvimento com essas expressões artísticas se intensificaram, principalmente, através do primeiro contato que tive com os animês e mangás dos gêneros yuri e shoujo-ai.

Portanto, a maior motivação como fã desse gênero de história, diz respeito ao fato em que pude observar algumas questões mal interpretadas pelas pessoas que consomem essas produções culturais, sendo a principal delas, o preconceito que existe entre muitas fãs que sentem vergonha e não admite a possibilidade de desfrutar das histórias dos gêneros yuri e shoujo-ai, que envolvem relacionamentos amorosos lesbianos entre mulheres. Rejeição que também acontece com o gênero yaoi (mangá que apresenta relacionamentos entre meninos) pelos fãs masculinos. A definição do gênero shoujo-ai, segundo Moliné: “literalmente, amor entre meninas; mangá que apresenta relacionamentos entre mulheres, enfocando mais as relações emocionais do que sexuais” (2006, p. 270 – grifo do original).

Assim acredito que está pesquisa admite um duplo desafio, sendo um deles, o equívoco existente entre os gêneros yuri e shoujo-ai, que freqüentemente são confundidos com as histórias dos gêneros shônen e hentai. O outro objetivo configura-se na necessidade de desmistificar o pensamento errôneo e o medo que as mulheres fãs têm de serem associadas à homossexualidade, simplesmente por admitirem histórias que envolvam relações entre pessoas do mesmo sexo. Penso que no entendimento dessas pessoas, determinadas atitudes e comportamentos podem servir-lhes de ameaça a própria integridade e a sua identidade heterossexual.

Na nossa perspectiva de análise, boa parte dessa atitude preconceituosa está relacionada com um tipo de preocupação moral, que diz respeito ao fato dos indivíduos quererem manter uma imagem de si próprios idealizada pela sociedade e assim, obter reconhecimento perante os demais. Neste sentido, é que está necessidade de preservação da integridade moral está diretamente associada a uma atitude discriminatória e preconceituosa – razão pela qual, aqui estamos com o compromisso de levar nossa contribuição como resposta, na medida em que nos propomos a desmistificar essa falta de conhecimento entre os gêneros de mangás e animês yuri e shoujo-ai, bem como, desmistificar a falta de motivos e fatores concretos que configuram o preconceito.

2. Observações sobre os gêneros dos mangás e animês

Quando foi lançado o primeiro mangá oficial pela obra “Tobae Sankokushi”, de Oka Shumboka, o público leitor era estritamente masculino, razão pela qual, as mulheres como objeto sexual eram as temáticas recorrentes deste gênero artístico.

Somente após o contato com o ocidente e com a popularização dos mangás e animês entre as mulheres é que os assuntos e os temas retratados nas histórias diversificaram-se, incluindo questões políticas, os grandes acontecimentos históricos, o desenvolvimento da ciência e o avanço tecnológico, além dos aspectos emocionais e comportamentais das pessoas.

3. Sobre os gêneros: Shônen e Hentai

Segundo Moliné: “shônen manga são histórias destinadas ao público jovem masculino” e hentai: “literalmente, pervertido, serve para designar os mangás pornográficos” (op.cit. – grifo do original).

As revistas destinadas aos adolescentes – shônen manga é um dos segmentos mais fortes do mercado editorial no Japão. Enfocam temas relacionados ao sexo, brigas, esportes e aos problemas sociais, além de resgatar as características ideais de conduta e disciplina dos japoneses tais como; perseverança, treinamento e coragem.

Possuem traços fortes que variam de espessura conforme a quantidade de força que os desenhistas empregam na finalização dos desenhos, geralmente, utilizando bico de pena. Também há variações entre traços mais angulares e geométricos e traços mais arredondados, empregados nas personagens menos caricaturizadas. Ao contrário dos shônens, as histórias destinadas ao público feminino denominadas, shôjo manga, possuem traços mais finos, formas mais arredondadas e orgânicas, portanto, visualmente aparentam leveza e sutileza nos traços. O romantismo presente nos mangás femininos também aparece em quase todas as revistas para os rapazes, com histórias melodramáticas num universo de guerreiros, esportistas e pessoas comuns que enfretam os mais variados desafios, que variam desde uma simples partida de futebol até lutar contra um robô gigante, onde o objetivo principal é mostrar-se o melhor e ser o vencedor. São histórias tais como: Ashita no Joe (O Joe de Amanhã), Attaku Nambaa Uan (Attack nº 1), Kikku no Oni (Sawamu, o Demolidor), Kyaputen Tsubasa (Super Campeões) e Kyojin no Hoshi (A Estrela dos Gigantes).

Hentai em japonês significa “proibido”, isto porque esse estilo trata de pornografia, mostrando cenas de sexo muito fortes, até mesmo para os padrões japoneses. Por esta razão, também, é que as histórias são voltadas exclusivamente para o público adulto. São histórias tais como: Distortion, Eat Delicious, Feratio Anthology Guchiojoku, Ijira Re Kei e Gensou 2.

Podem aparecer nas histórias, cenas de estupro e sexo explícito, sendo que geralmente esse gênero envolve a presença de um personagem estudante sexualmente muito ativo – revelando alguns traços comuns das histórias japonesas, nas quais, o protagonista da história sempre vence. Segundo Luyten:

Nos mangás para homens, as cenas são feitas utilizando recursos cinematográficos que captam cada detalhe, representado em muitos quadrinhos com cenas de um filme em câmera lenta. Isso ocorre para que o leitor vivencie o ato com o personagem (2000, p. 66).

4. Sobre os gêneros: Yuri e Shoujo-ai

Yuri é o equivalente feminino de shoujo-ai, mangá que apresenta relacionamentos entre meninas, enfocando mais as relações emocionais do que sexuais (Cf. MOLINÉ, p. 272). São histórias tais como: Shiroi Heya no Futari (1971), Rosa de Versalhes (1972), Maya no Souretsu (O Funeral de Maya – 1972), Paros no Ken (1987) e Kannazuki no Miko.

O termo yuri está diretamente associado ao mundo das lesbianas assim como safismo, é o termo empregado em referência à poetisa grega, Safo, da ilha de Lesbos, que admitia o amor entre as mulheres (In: Dicionário de psicanálise, p. 352).

Algumas pessoas tendem a associar yuri às histórias que tenham como assunto principal o sexo, e shoujo-ai (shoujo significa menina moça, e, ai significa amor) às histórias voltadas para o romance e o lado sentimental (Cf. YURICON: http://yuricon.com).

Também, outra característica do shoujo-ai é o que se denomina akogare (adoração). Refere-se à admiração e adoração que uma personagem desenvolve por outra. No caso, podendo acontecer através de alguma atitude que desperte admiração em outra personagem, também pelo fato de idolatrar a posição ou o cargo superior que diferenciam-nas. São histórias tais como: Utena, Maria-sama, Card Captor Sakura, e Anatólia Story.

Considerações Finais

Partiu-se do entendimento de que em nossa sociedade, assim como ocorre nas demais, as relações humanas são baseadas em preceitos morais, divergência de pensamentos como também, atitudes preconceituosas marcadas pela violência por conflitos étnicos, raciais, entre outros diversos fatores, mesmo que ainda latentes, podem ser percebidos através de certas atitudes ou mesmo podendo ser observado através da relação existente entre o público fã de mangás e animês e determinados gêneros em questão.

Sabemos que no início do século XX, a psiquiatria entendia a homossexualidade como uma anomalia psíquica e mental, um distúrbio da personalidade ou da identidade das pessoas. Mas que ao longo do tempo, essas terminologias passaram por inúmeras nomenclaturas, e, somente a partir da década de 1970, com os movimentos favoráveis à liberdade sexual, é que a homossexualidade deixou de ser considerada uma doença psíquica, passando a ser entendida como uma prática sexual ligada à castração e a uma escolha inconsciente.

Portanto é que sob meu ponto de vista, não há na homossexualidade nada que represente alguma vantagem em nossa sociedade, mas também, não há nenhuma razão para envergonhar-se, uma vez que não se trata de um vício e nem uma doença. Como nossa própria história registrou, grandes indivíduos, gênios e intelectuais, foram homossexuais, e ainda nos tempos atuais podemos encontrar algumas personalidades mais renomadas. Por esta razão, acredito ser uma grande injustiça e crueldade perseguir os homossexuais como se fossem indivíduos criminosos.

Por está razão, a conclusão aqui chegada é que não importa o gênero das histórias que optamos por consumir; se ele nos agrada e com ele nos identificamos, vivemos numa sociedade que admite a liberdade de expressão.

Assim, esperamos que as atuais gerações de fãs, também as que estão por vir, sejam desprendidas de qualquer falso moralismo e permita-se admirar histórias cujo foco principal reside na homossexualidade. E diante dessa expectativa, os gêneros yuri e shoujo-ai, assim como as demais histórias de mangás e animês, possam ser vendidas nas bancas de jornal, ter seu conteúdo divulgado pela internet, e por fim, ser realmente compreendidos na sua totalidade como um gênero voltado para as relações amorosas entre mulheres, ao invés de tentar mascará-lo, demonstrando um ingênuo equívoco.

Bibliografia

HAYASHI, Hiraku. Como desenhar mangá: técnicas para criar personagens femininas. São Paulo, JBC, 2003. v.2.

LUYTEN, Sonia B. Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses. 2 ed. São Paulo, Hedra, 2000.

MOLINÉ, Alfons. El grand libro de los manga. Barcelona: Glénat, 2002. (Colección Viñetas)

ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michael. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998.

SCHILLING, Mark. The encyclopedia of japanese pop culture. 1 ed. New York, Plubhisheld Weatherhill, 1997. ISBN: 0-83438-0380-1

Revistas

YOSHIHIRO, Yonezawa. “Mangá históricos – quadrinhos de todas as épocas”. Neo Tokyo, 13, 2000, p.21.


Sites

YURI HIME: http://ichijinsha.co.jp/yurihime
BLOG OKAZU: http://okazu.blogspot.com/
YURICON: http://yuricon.com

DVD

MAJO no takkyubin (O Serviço de Entregas de Kiki). Direção de Hayao Miyasaki. Produção do Stúdio Ghibli DVD Video. Japão: Tokyo; Animage, 1989. 1 videocassete (102’ min), VHS, son., color.

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Safo, a Vênus de Lesbos

janeiro 22, 2009

Safo, poetisa nascida em Mitilene, na ilha de Lesbos, provavelmente por volta de meados do século VII a.C, de boa família, contemporânea do poeta Alceu. À semelhança deste ela parece ter deixado Lesbos em conseqüência de perturbações políticas na ilha; a crer na tradição Safo teria ido para a Sicília e talvez tenha morrido lá. A poetisa refere-se a si mesma como geraitera, “um tanto idosa”, em um de seus poemas. Os siracusanos erigiram em sua cidade no século IV a.C, em homenagem a Safo uma estátua sua de autoria de Silânion, roubada mais tarde por Verres. A poetisa se casou com um homem chamado Kérkilos e teve uma filha, a quem pôs o nome de sua mãe, Kleis, que também era o nome de sua avó; tinha também irmãos, um dos quais, Cáraxo, ela censurou por causa de uma complicação amorosa com uma cortesã egípcia chamada Dórica (Heródoto, que se refere ao caso no livro II, 135 de sua “História”, confunde Dórica com Rodópis). Segundo parece Safo reuniu em torno de si um grupo de mulheres, talvez com a intenção de cultivar a música e a poesia, ou para o culto de Afrodite. Alceu dirigiu-se a ela em uma ode, da qual chegaram até nós os primeiros versos e o início da resposta de Safo. Uma lenda difundida pelos poetas cômicos gregos relata que, tendo-se apaixonado por um certo Fáon e vendo-se repelida por ele, Safo lançou-se ao mar do alto do penhasco de Leucás em frente à costa do Épeiros. Mas isso é mero romance. A poetisa escreveu nove livros de odes, epitalâmios, elegias e hinos, dos quais sobrevivem apenas fragmentos (inclusive uma ode completa e quatro estrofes de outra). Safo escreveu em dialeto eólico, e muitos dos fragmentos foram preservados por gramáticos como exemplos desse dialeto. Um dos fragmentos encontrados mostra profundo amor maternal por sua filha Kleis, que se reflete na seguinte estrofe:

Tenho uma formosa filha que tem para mim a esplendorosa beleza de uma flor de ouro, minha amada Kleis, a quem não trocaria por todas as riquezas da Lídia, nem tampouco pela formosa Lesbos.

O assunto principal de seus poemas foi o amor, sempre expresso com simplicidade natural, às vezes com ternura, às vezes com ardor apaixonado. Ela usou em seus poemas uma grande variedade de metros, um dos quais, o sáfico, está associado especialmente a seu nome. Sua poesia foi muito apreciada na Antigüidade, tendo sido elogiada por Platão, por muitos poetas da Antologia Grega e por “Longinos” no tratado sobre o Sublime (os dois últimos preservaram dois dos fragmentos mais longos). Suas estrofes foram imitadas literalmente por Catulo em seu poema 51 (Ille me par esse deo videtur). Horácio refere-se a ela nas Odes II, xiii, 24-25, e IV, ix, 11-12 (Vivuntque commissi calores Aeoliae fidibus puellae). Ovídio escreveu em suas Heroides uma epístola imaginária de Safo a Fáon (traduzida por Alexander Pope, 1707). Safo inspirou também muitas passagens de poetas ingleses, inclusive Swinburne (“Anactória”) e Frederick Tennyson.

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Yuri & Shoujo-Ai

setembro 9, 2008

Clichês

Apesar de um pouco desprezadas e estigmatizadas as situações shoujo-ai/yuri estão presentes em muitas obras, mesmo que para isso os fãs precisem “ler nas entrelinhas”.
Algumas personagens como Haruka de Sailor Moon e Juri do animê de Utena são muito carismáticas e sempre dominam a cena quando aparecem. Fora isso, torna-se comum a produção de animês declaradamente shoujo-ai, caso de Maria-sama ga Miteru e do novíssimo Simoun que teve dois mangás, um shoujo/yuri na Yuri Hime e outro shounen na revista Megami. Talvez uma das coisas maisrecorrentes no material yuri e shoujo-ai feito para um público mais jovem é a presença de uma representação muito rígida de papéis com a menina machona/tomboy de cabelo curto, alta, forte e destemida, que fala usando “boku” (“Eu” masculino) ao invés de “watashi” (“Eu” neutro), que ama a menininha pequena e meiga, no mesmo estilo do que acontece o uke e seme do yaoi.
Engraçado é que nos mangás da década de 70, isso é mesmo freqüente e a série Utena também não se vale disso. Prevalece ali o modelo da irmã mais velha, onee-sama, o akogare, que pode ser visto em Maria-sama ga Miteru, em Anatólia Story (Yuuri-Alexandra), em Oniisama E, Ace Wo Nerae e tantas outras séries. Também as obras para mulheres mais velhas essa oposição esquemática parece não fazer tanto sucesso. Afinal, quanto mais realista melhor e não existe muito espaço para kawaiices.
Dito isto, mesmo essa representação rígida de papéis “femininos” e “masculinos” não constitui uma regra. Agora, uma coisa que me alegra muito é não ter visto (ainda) a representação do sexo ou relacionamento de forma sadomasoquista, com estupros e coisas do gênero, em material yuri/shoujo-ai feito por mulheres e para mulheres.

Influência do Takarazuka?

Muitas pessoas associam essa caracterização do par lesbiano à influência do Teatro Takarazuka. Criado em 1914, o Takarazuka junta várias influências, como o teatro de revista, musical americano, Kabuki, Nô, teatro, entre outros. Nele, as mulheres representam tanto os papéis masculinos quanto femininos e recebem um treinamento muito rígido para incorporarem os maneirismos de gênero, já que as atrizes, ainda na sua formação, são designadas para serem homens ou mulheres e fazem o mesmo tipo de papel durante toda a carreira.
Ainda hoje, a idolatria (o akogare) em relação às atrizes do Takarazuka é imensa, principalmente em relação àquelas que fazem os papéis masculinos (otokoyaku). Interessante é que esse tipo de tietagem, que no Ocidente soaria como homossexual, acontece também nos mangás e animês shoujo, como em Utena, por exemplo.

Lesbos, Safo, Grécia…

Como falei em Ilha de Lesbos, é preciso explicar. Lesbos fica na Grécia e o termo lésbica ou lesbiana deve-lhe o nome. Tudo por conta de Safo, a mais famosa poetisa grega. Safo nasceu em Lesbos no século VII a.C. e cantava o amor e a amizade entre as mulheres. Pouco sobrou de sua obra e acredita-se que parte dela tenha sido deliberadamente destruída depois de sua morte. Apesar de quase nada sabermos sobre sua vida, se realmente ela amava outras mulheres, ganhou fama através dos séculos.

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Yuri & Shoujo-Ai

setembro 2, 2008

Preconceito

Entre as fãs de shoujo, tenho percebido uma explícita preferência pelo yaoi. Em alguns casos, a resistência ao yuri/shoujo-ai é imediata e não raramente a gente ouve um “Não curto essas coisas entre mulheres, não.” Costumo emprestar meus mangás para algumas alunas que lêem inglês – os meninos raramente me pedem – uma delas, que nunca tinha recusado nada, rejeitou Utena com esse argumento. Não ouve argumento, ela nem quis olhar.
Nota-se que para muitas mulheres fãs, existe a idéia de que o yaoi não ameaça sua identidade heterossexual, enquanto o yuri e o shoujo-ai, sim. Afinal, não dá para desmentir o fato de que nos mangás e animês está realmente ocorrendo um romance lesbiano. É como o processo de rejeição de alguns rapazes pelo yaoi. Ele se faz em bases semelhantes. Você esquece a história, as boas personagens e pensa “no que os outros (ou você mesmo) irá pensar”. Outro problema é o desconhecimento. Muita gente só consegue identificar a produção yuri com o hentai, já que esse material se encontra com muita facilidade na net.
Um fenômeno associado a isso tudo é a apropriação das personagens de shoujo mangá – Utena-Anthy, Haruka-Michiro, Tomoyo-Sakura, Yumi-Sachiko – por fãs homens que produzem material hentai muitas vezes carregado de violência e situações humilhantes. E como a oferta de material mais picante é limitada, muitas fãs de yuri e shoujo-ai acabam tendo como referência materiais shonen, como o mangá Hen, ou mesmo o hentai comercial.
Tudo isso é influenciado pelo preconceito arraigado na nossa sociedade, que até já consegue “suportar” a homossexualidade masculina, mas vê a homossexualidade feminina com olhos muito pouco gentis, já que essa põe em risco o domínio masculino por eliminar a sua presença. Afinal, Haruka e Michiro precisam de algum rapaz para se divertir? Só na cabeça de fanzineiro hentai.

Revistas Yuri: Uma empreitada tardia

Sinal de mudança dos tempos, pelo menos no Japão, foi o lançamento da revista Yuri Shimai em agosto de 2003, com uma defasagem de mais de 20 anos em relação à primeira shonen-ai – a June!!! Essa revista traz somente histórias com temática levemente yuri (estou pensando em sexo explícito aqui) e shoujo-ai voltada para adolescentes e que trazia séries longas, one shots, e light novels, isto é, capítulos de livros ou contos. A Yuri Shimai saía trimestralmente e durou muito pouco, sendo extinta em fevereiro de 2005, contando somente com cinco números.
Com o fim da Yuri Shimai, o espaço não ficou vago e as mangakás desempregadas, pois no seu lugar apareceu a Yuri Hime. Seu primeiro número saiu em julho de 2005 e o link para a página oficial da revista está no fim da matéria. De comum, as duas revistas têm as capas delicadas, como vi algumas histórias, sei que a arte varia, mas algumas autoras são muito boas.

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Yuri & Shouji-Ai

agosto 25, 2008

Os Anos 70/3 – Um pouco de terror

Um dos melhores mangás yuri dos anos 70, na minha opinião, é Maya no Souretsu (O Funeral de Maya – 1972) de Yukari Ichijou. Trata-se de uma história de terror gótica com muitos assassinatos e vingança, com um roteiro, um pouco ingênuo, verdade, que parece feito sob medida para virar filme.
Maya no Souretsu também é um one shot, assim como Shiroi Heya no Futari e conta a história de Reina que durante as férias de sua família no campo conhece a misteriosa Maya e se apaixona por ela. Reina tem um casamento arranjado pela família com um bom moço bonitinho, mas é por Maya que seu coração começa a bater de verdade. Enquanto o tempo passa, várias pessoas da família de Reina e próximas a ela são assassinadas de forma brutal. Maya parece saber demais sobre a família de Reina, coisas que a menina nem sonha e que justificam toda a violência que explode ao seu redor. Na verdade, tudo tem a ver com uma terrível vingança e Maya está no centro dela. Terminamos de novo em tragédia…
Yukari Ichijou é uma das mangakás mais reconhecidas de sua geração e a favorita de Naoko Takeuchi, autora de Sailor Moon, Maya no Souretsu foi somente o seu primeiro mangá yuri, mas a autora tem uma produção das mais variadas e desconhecidas no Ocidente. Ano passado, ela esteve em evidência graças aos doramas, mas animê em cima de suas séries, nenhum.

Depois dos Anos 70: Menos tragédia e um pouco mais de felicidade

Ainda que a tragédia continuasse a rondar os casais yuri, a coisa começou a se tornar mais solar nos últimos 30 anos. Temos muitas histórias mal resolvidas, mas o fato é que as histórias com conteúdo shoujo-ai ou yuri não precisam mais ter um final infeliz ou serem marcadas pela tragédia.
Acredito que a grande virada se deu com Paros no Ken (1987), que pode ser visto como uma releitura da Rosa de Versalhes. Paros no Ken é baseada no primeiro de uma série de romances escritos por Kaoru Kurimoto, especializada em histórias de fantasia e terror. Já a quadrinização ficou por conta de Yumiko Igarashi, desenhista conhecida mundialmente por Candy Candy.
A história se passa no Reino de Paros, em uma suposta Grécia medieval (existe efetivamente uma ilha de Paros por lá). A herdeira, Hermínia, prefere se vestir com roupas masculinas e é o melhor espadachim do Reino. Ela tem um fiel companheiro, Yurius, que é profundamente apaixonado por ela e a segue como uma sombra. Pressionada para se casar, tendo se reino ameaçado por inimigos, ela se apaixona por Fiona, uma jovem camponesa órfã. Aqui não somos enganados, Fiona sabe que Hermínia é uma mulher desde o início, as duas se amam, as duas lutam contra tudo e contra todos para ficarem juntas, Yurius se sacrifica pela princesa, mas não tem jeito… É uma obra realmente corajosa e dessa vez não temos uma heroína se lamentando, ela vai em busca do que quer. A história termina em aberto, nós é que decidimos o final.

A partir daí as obras yuri ou com algum conteúdo yuri se multiplicam e não tem limites de faixa etária. Afinal, qual o casal de lésbicas mais conhecido dos mangás e animês? Michiru/Netuno e Haruka/Urano de Sailor Moon (1992), mangá publicado na revista Nakayoshi que é para meninas de 9 a 13 anos. Aliás, o casal yaoi foi invenção do animê que é de novo uma releitura masculina do original.
Outro mangá yuri que saiu em uma revista para a mesma faixa etária, a Ribon, é Himitsu no Hanazono (O Jardim Secreto – 1999) de Fuji Mihona, a autora do bem mais famoso Super Gals! Kotobuki Ran. Trata-se de um one shot o qual Misono, uma menina que sofre uma imensa pressão da mãe para se tornar uma grande atleta, conhece o rapaz ideal e se apaixona… Só que ele é ela. A menina, no entanto, não se importa e, claro, não posso comentar muito mais sem dar imensos spoilers. Um bom mangá, muito sensível, mas que no início recorre ao mal entendido para se sustentar.
Poderíamos engrossar a lista comentando Card Captor Sakura (1996) e o akogare de Tomoyo pela protagonista. É outro mangá que saiu na Nakayoshi. Aliás, muita gente só lembra da CLAMP para falar de sugestões yaoi, mas as meninas são igualmente generosas quando o assunto é yuri/shoujo-ai. Querem um exemplo? Em X (1992), Tooru e Saya eram amantes e uma se sacrifica pela outra. Ambas são casadas, ambas têm filhos, mas o amor verdadeiro é compartinhado entre elas. É uma radicalização da paixão da mãe de Tomoyo pela de Sakura, afinal, Card Captor Sakura precisava ser light, coisa que X está longe de ser.

Outras autoras que fazem yuri mangá de verdade em revistas mainstream são Reiko Momochi de Confidential Confessions (vol. 4 tem uma história yuri, aliás), Érika Sakarazawa e Nanae Haruno (Pieta e Double House). Outras como a CLAMP, Chiho Saito (Shoujo Kakumei Utena) e Naoko Takeuchi fazem visitas. E o grande hit é com certeza Maria-sama ga Miteru com seus livros, mangá na Margaret e animê com três temporadas.
De forma explícita, ou não, apresentado como uma amizade ou envolvendo sexo, visto como ritos de passagem, tendo final feliz ou trágico, os relacionamentos entre mulheres estão sempre presentes dentro do shoujo mangá. Agora, quando o assunto é animê shoujo a coisa vem sempre um pouco velada ou não vem, já que boa parte dos mangás com essa temática não são animados. Claro que não existe regra nesse sentido e os anos 90 tiveram como mostra o Shoujo Kakumei Utena, principalmente o movie, e Sailor Moon.

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Yuri & Shoujo-Ai

agosto 18, 2008

A criadora?

A grande pioneira na representação dos relacionamentos entre mulheres no Japão, muito antes do boom do mangá, foi Yoshiya Nobuko (1896 – 1973), autora das chamadas “Hana Monogatari” (Lendas das Flores). Ela escrevia romances que apareciam em publicações femininas e que geralmente mostravam adolescentes estudando em colégios internos femininos. Esses colégios ocidentalizados lembravam muito as escolas como as de Maria-sama ga Miteru, por isso mesmo, há quem defenda que Yoshiya Nobuko ajudou a construir a estética do shoujo mangá.
Os relacionamentos afetivos (afetivo aqui não significa obrigatoriamente sexual), as amizades e o processo de amadurecimento das meninas e como se tornavam (eram construídas como) mulheres estavam em discussão. Infelizmente, não há publicações das histórias de Yoshiya Nobuko em nossa língua e creio que nem mesmo em inglês. A autora ficou marcada depois da guerra por defender que os japoneses deveriam resistir à ocupação americana, assim foi posta em ostracismo e muita gente sequer sabe que ela existe.

Os Anos 70/1 – Um Início Tímido

Os relacionamentos amorosos entre meninas, nos shoujo mangá estão presentes desde pelo menos os anos 70. O pioneiro nesta área foi o mangá Shiroi Heya no Futari (1971) de Ryohko Yamagishi, uma das grandes mangakás de sua geração e admirada até hoje. Como li esta obra, um one shot, devo ser franca, vale como marco histórico, vale pela coragem, mas de resto é um empreendimento bem pueril. Em Shiroi Heya no Futari o traço de Yamagishi é de iniciante, duro até. Já a trama é esquemática e carece de profundidade. Temos personagens estereotipadas – uma loura e inocente, a outra morena e rebelde – fora um óbvio desfecho trágico, aliás, esta é a marca do período. Em linhas gerais acontece o seguinte, a história se passa na Europa, como tantas outras de sua época, a protagonista é uma menina órfã, Resine, que decide estudar em um colégio interno. Lá, ela dividirá o quarto com Simone, uma tomboy agressiva e rebelde. As duas se apaixonam, mas a inocente Resine decide que precisa romper a amizade com Simone quando ouve cochichos sobre a “Ilha de Lesbos” associados a seu nome e o da amiga. Resine chega à conclusão que precisava se apaixonar por um rapaz, empurrando Simone para uma escalada autodestrutiva…

Os Anos 70/2 – Ryoko Ikeda dá o tom

Mesmo que timidamente, autoras como Ryoko Ikeda ajudaram a construir esse universo. A Rosa de Versalhes (1972) que é cronologicamente posterior a Shiroi no Heya no Futari, foi de certa forma fundamental para isso. Esqueçam o animê, ao qual muita gente teve acesso, e pensem que estou falando do mangá, não da releitura masculina feita por Osamu Dezaki. Fora que no mangá há humor, enquanto o animê é denso.
Um dos momentos de “humor” é exatamente uma seqüência yuri. O pai de Oscar quer que ela se case e organiza um baile para que ela seja exibida. A moça vai vestida com suas roupas masculinas, dança com todas as moças, algumas carregando placas dizendo “Oscar-sama é nossa!”, flerta com elas. Já no animê, Oscar chega de mau humor, diz que não quer casar e vai embora. Adeus, momento yuri!
Em a Rosa de Versalhes, a heroína, criada como um rapaz, mas consciente de ser uma mulher, é absolutamente heterossexual, mas sua proximidade com outras moças era muito grande e o amor que elas lhe devotavam mais que evidente; por exemplo, as irmãs Charlotte e Rosalie vêem em Oscar o “príncipe encantado” ideal. Ryoko Ikeda não vai além, mas em uma cena tocante – exclusiva do mangá com quase 99% de certeza – Oscar lamenta não ser um homem para poder amar Rosalie que a ama com tanta devoção. Hetero, sim, mas não indiferente e com muito mais consistência do que o pueril Shiroi no Heya Futari.
Se em seu grande clássico Ikeda não desenvolveu a questão, cortando qualquer possibilidade de relacionamento homossexual, o mesmo não acontecerá em suas obras seguintes. Em Iniisama E (1974) a autora questiona novamente os papéis de gênero e retrata com muita ternura o romance entre duas adolescentes em uma escola feminina de elite. É neste novo ambiente que o amor de Nanaka por Rei ou Saint Just, como a moça é chamada, floresce, no entanto, o clima geral é pesado. Há angústia, perfídia, adultério, incesto, uso de drogas e, claro, tragédias. Sim, desse jeito mesmo, bem no plural! O mangá é comovente e o animê, feito quase 20 anos depois, uma obra de arte. Só que assim como em a Rosa de Versalhes, Osamu Dezaki (ele outra vez), faz uma releitura de Ikeda. Como o animê é mais acessível, aviso à vocês que no mangá câncer não é curado com maternidade e homossexualidade feminina com namorado. Não é culpa de Ikeda!
Ikeda também escreveu uma das primeiras histórias adultas sobre a questão. No seu mangá intitulado Claudine (1978), a autora mostra o drama de uma pessoa que se sente “um homem preso no corpo de uma mulher”. Hoje, Claudine seria considerada como transexual muito mais do que lésbica. A história é muito delicada, mas carregada de tons cinzentos. O pai de Claudine, grande responsável pela criação masculina que a moça recebeu, mantém casos com “meninos e meninas” e acaba atraindo a tragédia para a família. Já Claudine luta para ter uma identidade masculina e conseguir ser amada… Só que todos os seus romances são frustrados enquanto ela rejeita o afeto que sua melhor amiga está disposta a oferecer. Não preciso nem dizer que a coisa termina mal?

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Yuri & Shoujo-Ai

agosto 8, 2008

Yuri é tão comum quanto yaoi? Sim, talvez até mais!

No Japão “as meninas que amam meninas” são muito freqüentes tanto nos animes quanto nos mangás. Como a questão não está restrita ao shoujo, poderíamos dizer que seja mais comum até do que as situações yaoi. E ocorrem em materiais para um público muito jovem chegando até mangas mais maduros. Estamos incluindo aqui desde as sugestões inocentes que deixam muito para a imaginação dos fãs, como o caso da série Noir ou em material CLAMP do tipo Sakura Card Captors, quanto em casos nos quais as personagens realmente se expõem, como no caso da Sei (Rosa Gigantea) de Maria-sama da Miteru. Em contrapartida, quando é o erotismo voyeur que está em jogo, a questão é amplamente contemplada nas matérias para rapazes em animes e mangás mainstream, como Love Hina, El Hazard e outros.

Termos, terminologia, origem…

Qual é o melhor lugar para colher informações sobre o que é Yuri e Shoujo-Ai? Para mim, com certeza é o site do Yuricon. As garotas – sim, elas são a maioria – que mantêm o site oferecem artigos, discussões, uma lista (quase) completa e atualizada de tudo do gênero que saiu nas revistas shoujo e josei, tem uma lista de discussão, montaram uma editora e organizaram uma convenção nos EUA. Pouco, né? Pois a definição que elas dão para Yuri é a seguinte:
“Yuri pode ser usado para descrever qualquer série de anime e mangá (ou outras coisas como fanfiction, filmes etc.) que mostram uma ligação emocional intensa, amor romântico ou desejo físico entre mulheres. Yuri não é um estilo limitado pelo gênero [masculino ou feminino] ou idade dos consumidores, mas pela ‘percepção’ do público. Nós podemos, se quisermos, fazer distinção entre shonen Yuri – escritos por homens para uma audiência primária masculina; shoujo Yuri – escritos por mulheres para um público primeiramente feminino; e o que nós do Yuricon gostamos de pensar como yuri puro – escrito por lésbicas para uma audiência de lésbicas… mas todos são yuri, independente de qualquer coisa. Resumindo, yuri é qualquer história com mulheres que amam (ou desejam) outras mulheres.”
Não preciso dizer que boa parte das meninas do Yuricon tem um engajamento político e de identidade ao se dedicar a informar sobre material yuri. Deixando isso de lado e ressaltando que não conheço nenhum yuri ‘puro’ (*e não vou me meter a descobrir qual a orientação sexual das outoras, OK*), a definição é valida e pertinente. Há muitos shonen yuri, muitos shoujo yuri, ou seja, é yuri para todos os gostos possíveis. Desde tramas inocentes, até grandes tragédias; histórias com meninas bonitinhas, mas sem grande apelo sexual, até material yuri feito com personagens peitudas, no estilo “lésbicas de filme pornô”. Você escolhe, ou deixa de lado.
Mas existem dois termos que circulam muito da net: yuri e shoujo-ai. Ambos se referem aos romances entre mulheres. Algumas pessoas no Ocidente, seguindo a mesma linha do que é feito com Yaoi, tendem a associar “yuri” a histórias que tenham no sexo seu foco principal e “shoujo-ai” (shoujo/menina/moça e ai/amor) ao romance ao sentimento. Mesmo assim, a definição do pessoal do Yuricon, contempla tudo.
Além disso, existe uma outra questão que deve ser tratada, o chamado akogare (adoração). Não raro, temos situações em que uma personagem se distinhgue por alguma coisa e desperta adoração em outra. Isso é comum em material rotulado de shoujo-ai, como Utena, Maria-sama ou mesmo Card Captor Sakura, mas também está presente em séries como Anatólia Story. A veneração, admiração e mesmo submissão aos superiores é traço da cultura japonesa e no caso do material shoujo a linha que separa adoração e amor ou paixão é bem tênue. O akogare se faz muito presente na relação senpai/kouhai, isto é, entre o mais antigo ou veterano em uma organização ou escola e o menos graduado ou mais jovem.
Valeria, então, chamar material hentai de yuri por conter situações de sexo entre mulheres? Algumas até com muita violência implícita ou explícita. Acredito que não. Simplesmente porque qualquer cena de sexo entre mulheres, que pode terminar com um homem no meio, tem como objetivo a satisfação do consumidor masculino heterossexual. É “lesbianismo fake” e está no mesmo nível dos filmes pornográficos ocidentais. Como sempre, deixo claro que é minha posição, cabe ao leitor ou leitora tomar a sua.

Origem do termo…

“Yuri” em japonês quer dizer lírio e passou a estar associado na cultura dos animês e mangás ao lesbianismo ou amor entre as mulheres. Tendo visto muitos shoujo com situações yuri, não concordo que esse tipo de flor esteja sempre presente quando existe romance, ou sugestão de romance, entre mulheres. Tenho mangás onde o lírio nem é representado, aparecem outras flores. De qualquer forma, o termo yuri está associado ao mundo das lesbianas, reais ou imaginárias, faz muito tempo, e ficou consagrado quando um redator de uma revista gay dos anos 70 denominou as lesbianas japonesas de “yurizoku” (tribo do lírio), enquanto os homens gays pertenceriam à “barazoku” (tribo da rosa).
De qualquer forma, o termo só serve para dar nome a uma prática social bem compreensível. Afinal, refere-se em uma sociedade como a japonesa, onde durante muito tempo os papéis masculino e feminino foram rigidamente estabelecidos. Dessa forma, em um mundo no qual o universo de homens e mulheres pouco se tocava, surgiu uma cultura tipicamente feminina, onde as amizades entre as mulheres poderiam ser intensas e extremadas. E que ninguém pense que estou falando só de sexo aqui, mas de coisas muito mais profundas e intensas. Foi esta mesma cultura que possibilitou a criação de todo um mercado de quadrinhos dominados por mulheres e voltados para um público de meninas, moças e mulheres.